quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Comendo pelas beiradas

No ano passado a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional surpreendeu muita gente ao emitir o parecer 1.503/10 dando sinal verde para que casais homoafetivos em união estável declarassem o companheiro como dependente legal para fins de imposto de renda. No início de janeiro o Conselho Federal de Medicina flexibilizou as regras que regem a reprodução assistida no Brasil permitindo que casais gays e pessoas solteiras recorram ao procedimento. Em fevereiro próximo o Supremo Tribunal Federal deve votar ação que estende o regime jurídico das uniões estáveis aos casais do mesmo sexo.

Engana-se quem pensa que estas medidas são resultado de reuniões apressadas acontecidas nas semanas que antecederam os anúncios. São, na verdade, resultado de anos de debates, considerações e análises seguidos do lento trâmite legal típico da justiça brasileira e também de outros países. Nos Estados Unidos não é muito diferente. A recente derrubada do "Don't Ask, Don't Tell" e a luta em andamento para reverter a "Proposição 8" na Califórnia comprovam o lento caminho que algumas medidas são obrigadas a percorrer até que a população possa usufruir de seus efeitos.

Para se entender o que pode sair do Supremo Tribunal Federal no próximo mês, por exemplo, é preciso recorrer ao distante ano de 2008. Este artigo publicado na VEJA em julho daquele ano é bastante elucidativo. Notem que a reportagem abre com "O STF se prepara para decidir, pela primeira vez na história, sobre..." Esta "preparação" durou quase 3 anos - praticamente uma eternidade nos dias de hoje.

Quando se compreende a lentidão necessária para a mudança de procedimentos há muito arraigados nas leis nacionais, é alentador folhear o plano BRASIL 2022 preparado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (obrigado, Oscar Fergutz, pela ótima dica!!), que pode ser acessado aqui. Lá na página 82 o plano lista uma meta importantíssima: "superar todas as formas de discriminação contra a população LGBT". 2022 pode parecer longe e a gente tem muita pressa, mas é preciso começar de alguma forma. O plano BRASIL 2022 tem legitimidade porque envolveu grupos de trabalhos formados por técnicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), representantes de todos os Ministérios, da Casa Civil e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). É portanto um documento técnico isento de viés religioso ou de crenças individuais.

Para mim, o caminho das conquistas LGBT no Brasil já está bem desenhado, e passa longe do nosso Congresso dominado por lideranças religiosas atrasadas e pelo fisiologismo vergonhoso. Nossas vitórias serão conseguidas pelo Judiciário, pelos departamentos técnicos dos Ministérios, e pela própria Medicina (que já há alguns anos concluiu que homossexualidade não era doença). É um caminho sem volta de uma viagem que já começou. E alguém avise ao Sr. Bolsonaro que se ele não gostar, que coma menos.

5 comentários:

  1. OTIMO TEXTO, ME REMETEU A MILAN KUNDERA EM A INSUSTENTAVEL LEVEZA DO SER.

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  2. a meu ver o problema do congresso é que ele ficam apenas no arroz com feijão, qualquer tema mais polêmico vai todo mundo para cima do muro. não acho que os evangélicos sejam os responsáveis por essas derrotas, isso aí é desculpa, o negócio é que lei 'gay' não dá voto. o que dá voto é lei 'populista'. já no ministério público e no judiciário graças aos concursos tem entrado muita gente jovem, com outra cabeça. isso sem falar que assim como entram heteros nesses concursos, entram também gays e lésbicas.

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  3. LUCIANO,

    Acabei de ver um vídeo no youtube intitulado "LAMBADÃO EM VÁRZEA GRANDE-MT" que me surpreendeu.

    No vídeo aparecem "homens da terra" dançando juntos com a maior naturalidade por parte deles e dos demais, algo que esperava ver só daqui uns 100 anos.

    Um cenário que tinha tudo para ser homofóbico mas não é !
    ENQUANTO QUE NA AV PAULISTA RICA E MODERNA NÓS LEVAMOS LÂMPADAS NA CARA.

    AVISO QUANTO AO VÍDEO :
    Só não espere ver uma valsa de Viena, nem a elegância da Audrey Hepburn...

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  4. Também concordo q é um caminho sem volta. Ainda bem.

    Existe um movimento mundial pelo fim do preconceito aos gays.

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