Há cerca de três anos o zelador do meu prédio me convidou para almoçar na casa dele num domingo. Eu sou o síndico do condomínio há quatro anos e a gente tem uma interação muito grande durante os trabalhos do dia. Aceitei com muito gosto. A mulher dele, dona Neusa, fez uma macarronada com frango e ele assou um churrasquinho. Comida simples e farta, muito gostosa. A casa deles era bem simplesinha e pequena, mas muito mais limpa e arrumada do que a minha, e eles fizeram questão de me mostrar tudo com muito orgulho, até as fotos dos filhos que moram longe e dos netos.
Mas isso é só a introdução do que eu estou querendo contar hoje. Algumas semanas após este almoço, a dona Neusa veio buscá-lo aqui no condomínio no final do dia e foi morta no portão de entrada com um tiro na testa durante um assalto. Foi um grande choque e um grande drama que eu acompanhei de muito perto e até hoje ainda trago bem vivas na mente a visão da dona Neusa caída sangrando com um tiro na cabeça e as imagens das câmeras de segurança do condomínio (que eu pessoalmente coletei e entreguei ao delegado) que mostravam o garoto agressor, um rapaz aparentando não mais do que uns 16 anos de idade, de camiseta, bermuda e boné, que voltou para o carro dos companheiros calmamente após assassinar friamente uma senhora de 60 anos, em seguida partindo apressados. O rapaz nunca foi identificado, localizado ou apreendido.
Por isso, entre tantas outras coisas, eu tenho muito ceticismo quando se fala em direitos humanos para bandidos. Porque eu tive contato muito de perto com bandidos que não eram humanos. Acho lindo falar que não podemos partir para a barbárie de fazer justiça com as próprias mãos - mas isso faria muito sentido se morássemos na Suécia, e não em um país onde a polícia e as leis já não conseguem mais garantir a segurança de ninguém. Há duas semanas eu, de carro, fui perseguido por um sujeito de moto que tentou me abordar várias vezes e me forçou a invadir um sinal vermelho e furar o fluxo de veículos para escapar da perseguição. Isso à uma hora da tarde, em plena luz do dia, quando retornava para casa depois do almoço.
Eu não gosto da Rachel Scheherazade há muito tempo, desde que ela demonstrou apoio ao deputado Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos com base em suas crenças religiosas. E reconheço que os comentários dela sobre o revide sofrido por um notório bandidinho no Rio de Janeiro foram infelizes. Por outro lado, como é de praxe hoje, tenta-se transformar tudo em uma grande causa social. É porque o pobre rapaz é negro, vítima da injustiça social, vítima do preconceito. Nesta hora tentam fazer a gente se sentir culpado pela longa folha corrida do criminoso. Nesta hora de defender os direitos humanos dos criminosos ninguém se lembra mais da dona Neusa.