domingo, 9 de fevereiro de 2014

Num outro domingo qualquer

Há cerca de três anos o zelador do meu prédio me convidou para almoçar na casa dele num domingo. Eu sou o síndico do condomínio há quatro anos e a gente tem uma interação muito grande durante os trabalhos do dia. Aceitei com muito gosto. A mulher dele, dona Neusa, fez uma macarronada com frango e ele assou um churrasquinho. Comida simples e farta, muito gostosa. A casa deles era bem simplesinha e pequena, mas muito mais limpa e arrumada do que a minha, e eles fizeram questão de me mostrar tudo com muito orgulho, até as fotos dos filhos que moram longe e dos netos.

Mas isso é só a introdução do que eu estou querendo contar hoje. Algumas semanas após este almoço, a dona Neusa veio buscá-lo aqui no condomínio no final do dia e foi morta no portão de entrada com um tiro na testa durante um assalto. Foi um grande choque e um grande drama que eu acompanhei de muito perto e até hoje ainda trago bem vivas na mente a visão da dona Neusa caída sangrando com um tiro na cabeça e as imagens das câmeras de segurança do condomínio (que eu pessoalmente coletei e entreguei ao delegado) que mostravam o garoto agressor, um rapaz aparentando não mais do que uns 16 anos de idade, de camiseta, bermuda e boné, que voltou para o carro dos companheiros calmamente após assassinar friamente uma senhora de 60 anos, em seguida partindo apressados. O rapaz nunca foi identificado, localizado ou apreendido.

Por isso, entre tantas outras coisas, eu tenho muito ceticismo quando se fala em direitos humanos para bandidos. Porque eu tive contato muito de perto com bandidos que não eram humanos. Acho lindo falar que não podemos partir para a barbárie de fazer justiça com as próprias mãos - mas isso faria muito sentido se morássemos na Suécia, e não em um país onde a polícia e as leis já não conseguem mais garantir a segurança de ninguém. Há duas semanas eu, de carro, fui perseguido por um sujeito de moto que tentou me abordar várias vezes e me forçou a invadir um sinal vermelho e furar o fluxo de veículos para escapar da perseguição. Isso à uma hora da tarde, em plena luz do dia, quando retornava para casa depois do almoço.

Eu não gosto da Rachel Scheherazade há muito tempo, desde que ela demonstrou apoio ao deputado Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos com base em suas crenças religiosas. E reconheço que os comentários dela sobre o revide sofrido por um notório bandidinho no Rio de Janeiro foram infelizes. Por outro lado, como é de praxe hoje, tenta-se transformar tudo em uma grande causa social. É porque o pobre rapaz é negro, vítima da injustiça social, vítima do preconceito. Nesta hora tentam fazer a gente se sentir culpado pela longa folha corrida do criminoso. Nesta hora de defender os direitos humanos dos criminosos ninguém se lembra mais da dona Neusa.

17 comentários:

Anônimo disse...

É por aí o conflito com que nós brasileiros nos defrontamos. Esperar que a justiça e o legal prevaleçam ou torcer para que surja alguém com vocação para Clint Eastwood e mate logo o bandido. E consideramos essa via pragmática apesar de todos os riscos que representa.
Vivemos o eterno drama de não saber se torcemos para o mocinho ou para o bandido, por não sabermos quem de fato é um ou o outro, mas cada dia mais colecionamos casos de violência e morte em pessoas próximas.
Dias atrás, eu lia em casa, à noite, no maior silêncio, quando ouvi uma sirene seguida de cinco estampidos, que imaginei serem tiros. Fiquei aliviado de pouco depois ler na internet que a polícia perseguia assaltantes e matou dois deles, e sem atingir inocentes. Então me lembrei do filme Pequenos Assassinatos, em que a violência urbana muda a vida de uma família, que termina transformando sua casa em bunker e, entre as apetitosas comidas preparadas por uma supermãe, se divertia feliz dando tiros em transeuntes, padeiro, leiteiro.

Anônimo disse...

Qualquer pessoa tem o direito de ser julgado da forma e meios corretos. A partir do momento em que se criam justiceiros não há controle sobre a ações destes. Agindo sobre um próprio código moral, quem sabe qual o próximo passo? Limpar as ruas de gays? Quem sabe de ateus?

Não seja tolo, Luciano. É obvio que é algo tragico, mas ninguem vai se lembrar da dona Neusa. O fato de espancarem o rapaz trouxe a tona diversos pontos que valem a ser debatidos. Por exemplo, quais são os beneficios a longo e curto prazo que medidas como essa trazem ao combate a violência? Da mesma forma, onde fica a linha que define que o crime cometido pelo cidadão é digno de um espancamento?

Resta saber se é bom, ou não, criar um mundo em que a justiça deixou de ser cega e que os fins justificam os meios.

Luciano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciano disse...

É claro que eu também prefiro o estado de direito da polícia e do judiciário. O que parece que ninguém está entendendo é que o Estado deixou de prover esta garantia já há algum tenpo e a população de bem está acuada e gritando por socorro. Quando uma força (polícia) desaparece, outra (barbárie) vem e ocupa o lugar - é o equilíbrio natural.

O grande erro está na ênfase aos direitos humanos dos agressores em detrimento dos direitos hamanos dos agredidos.

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Sua resposta ao anônimo foi perfeita ... assino em baixo ... parabéns ...

Jonatas disse...

Nao sou eu o anônimo, porém te digo q nao existe detrimento dos direitos humanos dos agredidos, o pensamento é que todos merecem ser protegidos por esses direitos, independente se é bandido ou mocinho, branco ou negro, gay ou hetero. Ao começar a fazer distinção de quem merece "mais" , cairemos de volta no mesmo problema onde quem se sente ao largo dos direitosbse vê no direito de pegar de quem esta no centro.
O problema maior pra mim é: o que raios significa "justiça com as próprias mãos"? A palavra justica está fora do seu contexto, a palavra correta seria Vingança. E no momento q desejamos nos vingar Pq a emoção transborda sobre nosso julgamento, perdemos qualquer possibilidade de fazer o correto.
Mas alguns acham que justiça é vingança, outros acham que justiça ė trancar a cela e jogar a chave fora, outros acham q justiça é reabilitação . Enquanto nao equipararmos o que justiça significava, essa discussão nao terá como continuar.

Luciano disse...

Se o problema realmente se resumisse em justiça e vingança, a solução até que não estaria muito difícil. Mas já passamos desta fase. Estamos agora falando de sobrevivência.

Anônimo disse...

Olho por olho, dente por dente!
2014 não é a Idade Antiga!

Unknown disse...

Chocado e horrorizado com a forma brutal e violenta que esta senhora morreu, sinceramente este País só vai começar a mudar quando uma autoridade destas morrer de forma trágica ou parente ou familiares, pois eles estão sabendo de tudo isto aí, mas não fazem nada, nada mesmo, a situação já perdeu rumo, e sabemos que tudo isto tem origem que nunca é atacado de uma forma em termos de solução a curto e médio e longo prazo. Estamos em um beco sem saída. Autoridades de um lado com uma lerdeza só, e a população no geral acuada e presa em suas casas e apavorada quando sai a rua, este País vai de mal a pior.

Anônimo disse...

Tenho "medo" desses justiceiros que fizeram isso com o bandido no Rio, pois parece que os mesmos já estão atacando os gays para fazer uma "limpeza".

Leonardo disse...

Sim, disse bem, a questão é de sobrevivência. Justamente por isso a resposta jamais será a barbárie cometida contra outro.
Engraçado que se diga que o Estado parou de prover a garantia da segurança, quando, em realidade, a massa carcerária não diminui e o quantitativo de prisões arbitrárias e assassinatos de moradores de favelas (encobridos nos escabrosos autos de resistência) é alarmante.
O Estado não parou de prender, se essa é a preocupação, ele somente evita o real problema, que é sim a gigantesca desigualdade social.
Claro, muito fácil defendermos o linchamento do rapaz negro, pobre e de roupas rasgadas. Me pergunto se a resposta seria a mesma para os jovens de classe média alta que sustentam o tráfico de drogas ou que estão pelas ruas espancando gays, negros ou colocando fogo em índios (e que seja preservada, dentre tantas outras, a memória do Pataxó Galdino, queimado vivo por três adolescentes de classe média alta). Será que esses também merecem o linchamento público? O Estado nunca nos forneceu proteção contra eles, uma vez que continuam cometendo todos os seus crimes. É que são só jovens inconsequentes, em fase de crescimento. São rebeldes sem causa.
Ah, não esqueçamos de todos os que subornaram um policial ou então que dirigiram bêbados ou mesmo que fizeram sexo sem camisinha, sabendo do risco de infectar o parceiro com DST (olhem o código penal).
O Direito Penal não é vingança, nem deve ser escolhido pelo autor. Se a avaliação for pelo direito de sobrevivência, eu diria que a classe média alta brasileira, tão educada, erudita e cheia de oportunidades, me ameaça muito mais do que os meninos de rua. Ainda mais eu sendo gay.
Aliás, sabiam que esse grupo que espancou o jovem no Flamengo já está realizando a limpeza de gays?
Mas eles são ricos, loiros, brancos, de olhos claros. São inconsequentes, mas de bem. terão bons empregos e não vão realizar um crime patrimonial.
Eles não são frios ou calculistas, nem espancam sem piedade. Acontece só que eles estão protegendo o cidadão de bem.
Fazer parte de uma minoria deveria abrir nossos olhos para o perigo de se defender o arquétipo do cidadão de bem.
Só mais um detalhe: os jovens brancos e endinheirados são tão agressores quando o "delinquentezinho". Que tal defendermos o linchamento deles também? Nós seremos os próximos, já que ameaçamos a família brasileira. Lembrem disso.

Anônimo disse...

Cuidado para não confundir justiça com vingança...são duas coisas bem diferentes!!! A nossa briga é com os dirigentes do nosso pais...judiciário fraco, políticos corruptos...e o que estamos fazendo? uma bala na cabeça de um bandido não vai resolver nossos problemas!! remediar a consequência não é a mesma coisa que resolver a causa..e é nisso que a Sherezeda não entende!!!

Humberto disse...

O caso dos tais "justiceiros" e do preso ao poste não teve nada a ver com sobrevivência, foi uma caça baseada em um determinado critério que esse grupo escolheu. Apoiar esse tipo de ação não tem só a ver com direitos humanos, tem relação também com o que é aceitável ou não no convívio em uma sociedade. O problema é que quando todos fazem o que querem, do jeito q querem, a hora que querem... vira zona. Dá caca. Quando você apoia esse tipo de coisa, você abre margem para o uso de todo tipo de critério na escolha das vítimas dessas ações. Hoje foi o pretinho pobre (tenho certeza que, apesar dela estar suja, eles não "checaram a ficha" do garoto antes da abordagem, então foi esse o critério mesmo), amanha pode ser o gayzinho afetado, depois talvez o evangélico q enche o saco.. Sempre tem um tonto q vai vir com uma de "queria ver se fosse com você" (como a triste história que você contou), mas uma pessoa nessa situação não tem a racionalidade e a frieza necessárias para poder analisar o problema e tentar achar uma solução viável; também teve a imbecilidade do "adote um marginal", mas pior do q um governo omisso é uma sociedade omissa. Essa criação de classes e separação de um grupo de cidadãos "de quinta" é inadmissível, me admira um gay (q deveria saber mto bem o peso dessa marginalização) apoiar o q essa jumenta fala. Quando vc começa a justificar dessa forma esse tipo de ação, você abre precedentes perigosíssimos que podem mto bem acabar ricocheteando de volta pra vc. Se realmente vc quer falar de sobrevivência, vc deveria ser CONTRA esse tipo de coisa, não a favor, pq é exatamente isso que joga a sociedade no caos e invariavelmente transforma todos em vítimas e alvos em potencial.
Vamos combinar né? Ninguém razoável pode achar que prender alguém pelado num poste e tirar parte da orelha é algo aceitável. Você se reduz a um criminoso também, e só agrava o problema que diz ser contra.

Júlio Paiva disse...

Não sei, permita discordar, eu me lembro dos direitos humanos e vou me lembrar também da dona Neusa, depois de ler o seu post, e nessa hora a hora é essa.

Um ser humano disse...

Fiquei chocado, mas com a sua posição, caro Luciano, assim como outros, pelo visto. Gostaria muito de ter mais embasamento e melhor retórica para poder argumentar, mas infelizmente no momento sinto apenas uma tristeza muito grande ao ver pessoas como você com tal descrença na humanidade. Faz muito tempo que acompanho seu blog (ocasionalmente, é verdade), mas agora tenho minhas dúvidas se vou continuar a fazê-lo: já basta os rostos dos neo-reacionários de plantão pipocando pela internet. Enfim, faço minhas as palavras do Julio Paiva e do Jonatas, que comentaram anteriormente.

Anônimo disse...

A omissão do estado se é que temos um! é olho por olho ,dente por dente !

Unknown disse...

É fácil manter uma postura absolutamente defensora dos direitos humanos e repudiar a “justiça com as próprias mãos”, quando não se vivencia muito de perto um ato covarde de violência. Envolvido na situação, é compreensível que o sentimento de impunidade inflame a alma e torne difícil retomar o belo discurso. Na minha visão, o problema é mais complexo do que parece. Trata-se, na verdade, de uma “faca de dois gumes”: A impunidade alimenta a violência tanto quanto a desigualdade social.