quinta-feira, 5 de julho de 2012

É possível curar o sofrimento de quem sofre com a própria sexualidade

Na semana passada o assunto da terapia para curar gays voltou à tona com a reunião da cambada bancada religiosa na Câmara. Hoje o dr. Contardo Calligaris publica mais um brilhante artigo na Folha de S. Paulo (o texto pode ser acessado na íntegra nos primeiros comentários) e faz uma revelação surpreendente: é possível, sim, curar o sofrimento de quem sofre com a própria homossexualidade.

No artigo o doutor Contardo descreve, inclusive, como trataria um paciente se estivesse no Irã, por exemplo, onde a homossexualidade pode significar uma sentença de morte. Palavra de quem entende do assunto.

6 comentários:

Luciano disse...

Folha de São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2012
Contardo Calligaris
A CURA GAY

(1a. parte)

Em 1980, a homossexualidade sumiu do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais". Em 1990, ela foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde.
Médicos, psiquiatras e psicólogos não podem oferecer uma cura para uma condição que, em suas disciplinas, não é uma doença, nem um distúrbio, nem um transtorno. Isso foi lembrado por Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia, numa entrevista à Folha de 29 de junho.
No entanto, o deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, pede que, por decreto legislativo, os psicólogos sejam autorizados a "curar" os homossexuais que desejem se livrar de sua homossexualidade.
Um pressuposto desse pedido é a ideia de que os psicólogos saberiam como mudar a orientação sexual de alguém (transformá-lo de hétero em homossexual e vice-versa), mas seriam impedidos de exercer essa arte -por razões ideológicas, morais, politicamente corretas etc.
Ora, no estado atual de suas disciplinas, mesmo se eles quisessem, psicólogos e psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém -tampouco, aliás, eles saberiam modificar a "fantasia sexual" de alguém (ou seja, o cenário, consciente ou inconsciente, com o qual ele alimenta seu desejo).
Claro, ao longo de uma terapia, alguém pode conseguir conviver melhor com seu próprio desejo, mas sem mudar fundamentalmente sua orientação e sua fantasia.
Por via química ou cirúrgica (administração de hormônios ou castração real -todos os horrores já foram tentados), consegue-se diminuir o interesse de alguém na vida sexual em geral, mas não afastá-lo de sua orientação ou de sua fantasia, que permanecem as mesmas, embora impedidas de serem atuadas. A terapia pela palavra (psicodinâmica ou comportamental que seja) tampouco permite mudar radicalmente a orientação ou a fantasia de alguém.
O que acontece, perguntará João Campos, nos casos de homossexualidade com a qual o próprio indivíduo não concorda? Posso ser homossexual e não querer isso para mim: será que ninguém me ajudará?
Sim, é possível curar o sofrimento de quem discorda de sua própria sexualidade (é a dita egodistonia), mas o alívio é no sentido de permitir que o indivíduo aceite sua sexualidade e pare de se condenar e de tentar se reprimir além da conta.

Luciano disse...

Contardo Calligaris
A CURA GAY

(2a. parte)

Por exemplo, se eu não concordo com minha homossexualidade (porque ela faz a infelicidade de meus pais, porque sou discriminado por causa dela, porque sou evangélico ou católico), não posso mudar minha orientação para aliviar meu sofrimento, mas posso, isso sim, mudar o ambiente no qual eu vivo e as ideias, conscientes ou inconscientes, que me levam a não admitir minha orientação sexual.
Campos preferiria outro caminho: o terapeuta deveria fortalecer as ideias que, de dentro do paciente, opõem-se à homossexualidade dele. Mas o desejo sexual humano é teimoso: uma psicoterapia que vise reforçar os argumentos (internos ou externos) pelos quais o indivíduo se opõe à sua própria fantasia ou orientação não consegue mudança alguma, mas apenas acirra a contradição da qual o indivíduo sofre. Conclusão, o paciente acaba vivendo na culpa de estar se traindo sempre -traindo quer seja seu desejo, quer seja os princípios em nome dos quais ele queria e não consegue reprimir seu desejo.
Isso vale também e especialmente em casos extremos, em que é absolutamente necessário que o indivíduo controle seu desejo. Se eu fosse terapeuta no Irã, para ajudar meus pacientes homossexuais a evitar a forca, eu não os encorajaria a reprimir seu desejo (que sempre explodiria na hora e do jeito mais perigosos), mas tentaria levá-los, ao contrário, a aceitar seu desejo, primeiro passo para eles conseguirem vivê-lo às escondidas.
O mesmo vale para os indivíduos que são animados por fantasias que a nossa lei reprova e pune. Prometer-lhes uma mudança de fantasia só significa expô-los (e expor a comunidade) a suas recidivas incontroláveis. Levá-los a reconhecer a fantasia da qual eles não têm como se desfazer é o jeito para que eles consigam, eventualmente, controlar seus atos.
Agora, não entendo por que João Campos precisa recorrer à psicologia ou à psiquiatria para prometer sua "cura" da homossexualidade. Ele poderia criar e nomear seus especialistas; que tal "psicopompos"? Ou, então, não é melhor mesmo "exorcistas"?

ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

falou quem entende e chega de tanta imbecilidade ...

Fernando Reis disse...

Existe cura para a homofobia? Como dito num programa da MTV, a resposta é afirmativa: "ensino fundamental completo"!

M. disse...

Entendi então que, " aceita-se a orientação sexual e aprende-se a viver com os problemas e sofrimentos dela decorrentes". É isso?
Achei bem coerente. Seria bom, se isso fosse o "tratamento" utilizado.... o risco de recidivas do tipo, "um dia de fúria" seria devastador para o próprio individuo, bem como, para o próximo.
Será que entendi corretamente o texto dele?
ABraços Luciano

Luciano disse...

@Margot,
É isto mesmo. Simplificando: em termos de sexualidade, é melhor extravasar do que represar.
Beijos,
**