quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As coisas que deixamos pelo caminho

Eu sou organizado ao extremo. Ainda não cheguei ao ponto de guardar minhas camisas por ordem alfabética de cor, mas estou quase lá. Por isso quase tive um ataque cardíaco no último domingo quando abri a carteira na fila de entrada do cinema e percebi que havia esquecido os ingressos em casa. Justo eu, que não deixo os ingressos com o Mr. Ed porque acho que ele é muito distraído.

A garota que recebia os ingressos era meio cheinha e com cara de poucos amigos. Devia ter brigado com o namorado. Ou namorada. Mas não estava com cara de quem está num bom dia.

Pensei em ir embora para evitar o constrangimento. Mas depois o Mr. Ed ia ficar falando na minha cabeça para o resto de nossas vidas todas as vezes que eu dissesse que ele é distraído, então resolvi ir em frente. Quando chegou nossa vez de entrar eu olhei para a mocinha e disse "você acreditaria em mim se eu te dissesse que esqueci nossos ingressos em casa?"

A moça cheinha com cara de poucos amigos olhou bem na minha cara, abriu um sorriso largo, e disse "Claro! Eu conheço vocês. Vejo vocês aqui toda semana. Tem problema não. Pode entrar". Daí eu peguei minha cara no chão e entramos, e fiquei pensando durante o filme todo sobre como podemos nos enganar pela aparência das pessoas. E como o mundo tem a incrível capacidade de nos surpreender sempre.

O mundo novo

Espero um dia viver em um país onde a gente possa ver um comercial destes na televisão. E espero que este país seja o Brasil.




terça-feira, 29 de novembro de 2011

As esposas de Brokeback Mountain

Eu cresci achando que o propósito de todo homem era namorar, noivar, casar e ter filhos - independente de seus sentimentos. Não tive, na minha infância e adolescência, modelos de gays bem sucedidos que pudessem despertar alguma dúvida quanto à "ordem pré-estabelecida" das coisas.

Hoje a visibilidade dos gays é enorme - e é mais difícil para um homem não seguir seus instintos por falta de informação. Mas há quarenta ou cinquenta anos tudo era muito diferente. Por isso não são incomuns os casos de mulheres como Jane Isay, por exemplo, que publicou um texto bastante tocante na coluna Opinião do New York Times na semana passada (aqui). Jane estava casada há 15 anos quando o marido lhe disse que era gay, e ela descreve no artigo como o casal decidiu manter o casamento "pelos filhos" (que na época tinham 10 e 14 anos) e pelo medo da execração dos amigos e também por não entenderem muito bem sentimentos tão controversos.

Eles conseguiram adquirir a maturidade necessária para resolver o problema e superar os traumas. O mais bonito é que ela abre o artigo comentando sobre a festa de casamento do ex-marido com seu companheiro atual. Os dois vivem juntos há 30 anos e puderam finalmente se casar com a legalização do casamento no estado de Nova York. Quem organizou a festa foram os próprios filhos, e os netinhos serviram de damas de honra e levaram as alianças. Em uma família de verdade, o que importa é a felicidade. Como bem diz ela no texto, "a verdade vence a mentira sempre".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

It looks as though your jeans have exploded!

Elas estão de volta, mais vivas do que nunca. Para elas pode ser só um especial de Natal, para nós vai ser um Natal especial.

domingo, 27 de novembro de 2011

Não sei como ela consegue

Não Sei Como Ela Consegue (I Don't Know How She Does It, 2011), sobre os malabarismos que uma executiva precisa fazer para conciliar as vidas profissional e pessoal não funcionou nos Estados Unidos. Mas não é um filme ruim. Sarah Jessica Parker transforma a personagem em uma espécie de Carrie Bradshaw com marido e filhos alguns anos depois que o sexo e a cidade deixaram de ter importância fundamental em sua vida.

É um filme feito para mulheres, mas que pode ser aproveitado também pelos homens. Há tiradas espirituosas e o recurso de falar com a câmera ou paralisar a imagem para que a personagem descreva o que está passando na sua cabeça é usado com parcimônia suficiente para não perder a graça e transformar o filme em um documentário confessional maçante.

Os personagens coadjuvantes são interessantes, principalmente a secretária fria e eficiente que odeia crianças, e os "inimigos": os homens do escritório que não foram programados para sentir culpa quando precisam chegar em casa mais tarde, e as mães fúteis que não trabalham e passam o dia na academia criticando a executiva/ mãe desnaturada.

Só é mesmo difícil acreditar que possa existir um marido (Greg Kinnear) com a paciência maior que a de Jó, sempre com um sorriso no rosto e uma palavra de apoio. Durante o filme todo eu fiquei pensando: como é que ELE consegue?

sábado, 26 de novembro de 2011

Sinal dos tempos?

Dizem as escrituras sagradas que o final dos tempos será precedido de acontecimentos até então julgados improváveis ou impossíveis. A pouco mais de um mês para o início de 2012 ligo a TV no programa do Luciano Huck e dou de cara com Mike Tyson cantando Garota de Ipanema acompanhado de Daniel Jobim ao piano. Sinal dos tempos?

Silas Malafaia deu no New York Times

Deu no New York Times. O autor de "Como Vencer as Estratégias de Satanás", Silas Malafaia, é o inimigo público nº 1 dos gays e cresce de forma considerável na guerra de culturas dentro do país.

O fato dele estar no New York Times não significa muito. Jornais também (e principalmente) dão notícias ruins. Mas, como a própria reportagem diz, é espetacular o crescimento deste pastor que saiu da obscuridade para chegar a uma posição de influência que pode alterar os rumos de toda a política de direitos humanos do país. Convém dormir com um olho aberto.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Chegou a hora


Este comercial vem lá da Austrália. Pra avisar que chegou a hora de acabar com a discriminação contra o casamento igualitário. É produzido por uma organização independente chamada Get Up!. Para quem não fala inglês, get up! significa mais ou menos tira a bunda da cadeira! Fofo demais.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Mágoa de caboclo

Eu juro que não consigo entender de onde vem esta enorme mágoa de caboclo do Aguinaldo Silva. Um homossexual assumido que deu tanto a cara a tapa no passado pelo direito dos gays não poderia ter se tornado alguém assim tão amargo.

Ao defender a declaração do Caio Castro dizendo "...se alguém cismar que o coitado do galã de TV é gay... ele está perdido!" ele está insistindo numa falácia e se lixando para o fato de que ele é uma das pessoas que pode mudar isto. Também não está levando em conta que são declarações como estas que contribuem para que adolescentes se matem e homens sejam assassinados só pelo fato de serem gays.

Aguinaldo Silva parece ter parado no tempo, numa época bem antes de campanhas do tipo It's OK To Be Gay que vieram conscientizar as pessoas pela aceitação da diversidade. É muito triste. Sei que existe um nome para designar este tipo de gente, mas não consigo me lembrar agora.

Aguinaldo Silva poderia estar à frente de mudanças que vão fazer deste um mundo melhor. Em vez disso, prefere usar de amargura e destilar sua mágoa de caboclo em todas as direções. Ah, lembrei-me da palavra para designar este tipo de pessoa: fóssil.

Adele Laurie Blue Adkins

Sai na semana que vem o aguardado DVD com o show da Adele no Royal Albert Hall para matar as saudades dos fãs que não a têm visto muito ultimamente. Adele se recupera de uma hemorragia nas cordas vocais.

Passando a régua, 21 é realmente o disco do ano. Todo mundo sentiu vontade de cantar as músicas, desde anônimos em busca de fama até cantores já estabelecidos, passando pela filha da vizinha, a garotinha do lado, o homem da rua, a sua mãe, a minha, e até aquela tia velha que todo mundo jurava que já tinha morrido. Só falta agora uma versão do Papa cantando Rolling In The Deep com um coro de cardeais.

A maioria das regravações foram perfeitamente dispensáveis. Mas algumas resultaram interessantes, como a interpretação de John Legend para Rolling In The Deep que pode ser ouvida e baixada aqui. Ou esta versão de Someone Like You ao vivo para uma rádio da França pelo James Vincent McMorrow (que aparece neste blog pela terceira vez numa única semana; mais uma menção e estaremos automaticamente casados).






quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Antes veado que imbecil

Ao ser questionado sobre a fama de pegador, Caio Castro saiu-se da seguinte forma: "antes pegador que veado!". Isto da boca de um ator jovem, que mora no Rio de Janeiro, e que certamente convive num meio com gente inteligente e avançada.

Quando a qualidade da massa cinzenta não ajuda é melhor não forçar. Ainda vai demorar muito para ele descobrir que é melhor ser veado que imbecil.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

James Vincent McMorrow

A voz lindíssima no vídeo A Year In New York que postei ontem é de James Vincent McMorrow, irlandês natural de Dublin, 28 anos de idade. A música é We Don't Eat. Se você ainda não viu o vídeo, dê uma olhada - ao menos pela música.

James Vincent McMorrow já tinha lançado alguns EPs com músicas que foram depois compiladas e incluídas no CD Early in the Morning, seu primeiro álbum oficial, lançado no início do ano passado.

Ele é avesso à vida urbana e passou um período vivendo sozinho numa casa em uma praia deserta na Irlanda, aproveitando o tempo para compor.

James Vincent McMorrow tem uma voz rara, daquelas que toca direto no coração, muito difícil de descrever. Quem curte Bon Iver e Patrick Watson vai entender do quê estou falando.


James Vincent McMorrow - And If My Heart Should Somehow Stop:

Doce vingança

A transmissão é da Al-Jazeera e o repórter no estúdio fala direto de Doha, no Qatar, com o jornalista fazendo a cobertura ao vivo em Madri sobre a vitória esmagadora do Partido Popular nas eleições da Espanha. O ambiente lembra homofobia dos dois lados (Partido Popular, televisão árabe). A doce vingança vem do casal de rapazes que se posiciona atrás do jornalista e tasca um beijo cinematográfico, para lembrar que we're queer, we're here - get over it!


domingo, 20 de novembro de 2011

A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte I


Os livros de Stephenie Meyer são simplesmente uma obra juvenil de ficção e nunca se propuseram a ser mais do que isso. A obra conta a história de um grande amor envolvendo humanos, vampiros e lobisomens e nunca teve a ambição de ser nada mais do que diversão.

Este novo episódio é praticamente só uma escada para o que vai acontecer no último filme da série. Vai lento até bem próximo do final - quase um videoclipe de cenas românticas caprichadas para mostrar o casamento de Bella e Edward e a lua de mel numa ilha paradisíaca no Brasil. Até que Bella descobre que está grávida de algo que ninguém consegue imaginar o quê pode ser - nunca antes um vampiro e um humano haviam produzido prole.

A partir da gravidez o filme assume o lado de terror, principalmente quando o bebê gerado começa a crescer de forma rápida e a matar Bella por dentro. Mas até aí não há novidade nenhuma; tudo isto já estava no trailer. O parto de Bella e a chegada da criatura híbrida marcam uma série de mudanças que servem de petisco para o próximo filme. Está lançada a isca. Até eu que não estava ligando muito para nada disto também quero que o próximo filme chegue logo.

O sucesso do filme tem incomodado muita gente, sem razão. O filme é honesto no que se propõe e é diversão muito bem realizada. Gostoso feito junk food.

As coisas simples

Voltar pra casa é tão gostoso quanto sair de viagem. O Mr. Ed está na cozinha preparando um omelete com salsichas, queijo e azeitonas enquanto eu vou trocando os discos que trouxemos da viagem. E não há música melhor para esta manhã de domingo que a Canción de las Simples Cosas, da Mercedes Sosa. A música foi relançada em um disco que está em todas as vitrines da Musimundo em Buenos Aires: Mercedes Sosa - Canciones Censuradas e Inéditas que traz 15 gravações que haviam sido censuradas das edições nacionais argentinas dos discos da cantora durante a ditadura militar. Eu tinha apenas a versão ao vivo desta música que eu adoro, tirada de um festival na Suíça de muitos anos atrás, e ainda não tinha a versão de estúdio.

"...Uno vuelve siempre a los viejos sítios donde amó la vida
Y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas
Por eso, muchacho, no partas ahora soñando el regreso
Que el amor es simple y a las cosas simples las devora el tiempo..."

Mercedes Sosa - Canción de las Simples Cosas:




sábado, 19 de novembro de 2011

Fotogenia natural


Para quem gosta de fotografar, como eu, Colonia del Sacramento é o êxtase. A cidade tem fotogenia natural. Para todo lado que se olhe há uma foto pronta esperando para ser capturada. Passamos a quarta-feira toda andando por estas ruas de pedras em um dia em que a cidade estava praticamente deserta e com um sol lindo. No intervalo de algumas horas fiz mais fotos do que costumo fazer em um mês.

Tenho a impressão que se soltarem um chimpanzé com uma câmera pelas ruas da cidade ele produzirá fotos sensacionais. Parece impossível errar.





sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Baixando o nível


Interessante a discussão que surgiu na postagem anterior. Eu concordaria com o comentário do Augusto se a discussão fosse realmente sobre opiniões divergentes. Opiniões contrárias ou divergentes são edificantes e eu sempre gosto muito de ouvir o outro lado. Sei que sou um ser humano inacabado e tenho muita vontade de aprender.

Mas a Marta não falou de opiniões contrárias edificantes. A Marta se referiu claramente a comentários de trolls. Um troll esconde-se atrás do anonimato e não tem interesse em contribuir de forma positiva para nenhuma discussão. Troll "designa uma pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão, provocar e enfurecer as pessoas envolvidas nelas" (veja aqui); um dos objetivos do troll é "induzir a baixar o nível". As técnicas de trollagem são tão manjadas que a gente consegue identificar um troll na primeira linha da mensagem.

A discussão da postagem anterior foi iniciada pelo comentário agressivo de um troll. Eu também sei ser agressivo, mas não foi este tom que eu escolhi para a postagem.

Ao publicar este texto eu estou desobedecendo à regra número 1 para estes casos, que é: Não dê comida ao troll! Mas é só para avisar que eu também não gosto deles, e que eu também os acho deprimentes em suas vidinhas medíocres e melancólicas. Os trolls eu geralmente trato com indiferença ou com ironia - que eles raramente têm inteligência suficiente para perceber, o que ajuda a dar uma pitada de graça à situação.

Discutindo a relação

Hoje começamos a nos despedir de Buenos Aires; no próximo final de semana já estaremos de volta em casa. Comentei hoje com o Mr. Ed durante o almoço que se as férias durassem mais uma semana nós provavelmente voltaríamos divorciados para o Brasil. Não é fácil dormir, acordar, tomar café da manhã, almoçar, jantar, passear - enfim, passar o dia inteiro com a mesma pessoa durante vários dias seguidos.

As pessoas que mais amamos são também, ironicamente, as que têm a maior capacidade de nos exasperar. É assim em qualquer relação e é justamente a administração eficiente deste conflito que faz com que a relação perdure. Por outro lado, se o Mr. Ed se ausenta mais do que uma semana eu sinto uma angústia incontrolável. As relações humanas são mesmo um grande mistério.

Perua

Hoje assisti a um pronunciamento da presidente Cristina Kirchner na TV e não consegui me concentrar. Aquele cabelão dela me tirava a atenção, especialmente a franja que insistia em lhe tapar um dos olhos e era arremessada para trás com um solavanco da cabeça. Fiquei imaginando como uma pessoa consegue cumprir uma agenda presidencial, que deve ser pesadíssima, e manter este cabelo de perua com estes gestos de jogada de cabeça típicos de garota adolescente.

Cheguei a sentir saudades do capacete da dona Dilma. Acho que prefiro a nossa presidente com andar de caubói do que esta daqui com toda esta peruice que cansa muito rápido.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Anjo Preto de Colonia


Durante nossa visita a Colonia del Sacramento, no Uruguai, há um ano atrás, caminhávamos pelas ruas de casas antigas do centro histórico quando fomos abordados por um senhor na entrada de um restaurante anunciando os pratos da casa. Foi só quando nos aproximamos mais e prestamos mais atenção que nos demos conta que se tratava de uma mulher de jeito meio masculino. Ela tinha um jeito tão simpático que convenceu a nós quatro - eu, minha irmã, minha prima e o Mr. Ed - a entrar. E foi assim que conhecemos o Anjo Preto.

Anjo Preto (o nome é assim mesmo, em português) é um restaurante pequeno, todo controlado por mulheres, com uma decoração super transadinha e uma comida pra lá de especial. Eles servem frango em cubos com molho de mel, raviolones recheados de salmão em molho de alcaparra, e outras comidas de virar os olhos. E entre as várias sobremesas eles têm a Copa Anjo Negro que é uma taça grande forrada de pedaços de bolacha champagne cobertos com uma camada de sorvete de creme, doce de leite quente, nozes e castanhas, rum, mais sorvete, terminado com pedaços de banana e morangos. Mas a principal lembrança que a gente leva é a simpatia da garçonete e da gerente.

Hoje voltamos lá, exatamente um ano depois. A mesma gerente, a mesma garçonete, a mesma comida deliciosa, a mesma simpatia. Eu gosto muito de revisitar lugares que já conheço. Gosto da sensação de conforto que a familiaridade traz.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Un amor / Mia

É gostoso assistir cinema em uma cidade como Buenos Aires onde as pessoas fazem um silêncio sepulcral durante o filme e continuam sentadas até o final dos créditos. Aproveitamos para ver duas estreias recentes.

Ontem à noite assistimos a Un Amor, sobre dois garotos adolescentes nos anos 70 que conhecem uma garota avançadinha durante um verão em uma pequena cidade do interior. Ao mesmo tempo o filme mostra o trio no presente, 34 anos depois, quando a mulher retorna à Argentina a negócios e procura os dois homens do passado. O filme é bastante lento e a gente fica esperando o tempo todo para saber exatamente a razão de o trio se sentir tão constrangido e pouco à vontade no presente. A resposta está na ligação com alta tensão sexual que eles viveram no passado, mas não chega a empolgar. Tem cenas bonitas e é bem feito, mas a gente fica esperando o filme decolar e nada acontece. Vale pelos bons desempenhos, principalmente dos atores adultos (um dos homens é feito pelo Diego Peretti, que está em cartaz no teatro em Buenos Aires em um dos principais papeis na remontagem de Um Bonde Chamado Desejo).

Hoje vimos Mia, que estreou neste final de semana, sobre uma travesti que trabalha nas ruas de Buenos Aires e encontra um diário e se impressiona com as narrações do caderno. Ela começa uma amizade com a garotinha Júlia, filha da autora do diário, e toma para si a obrigação de passar para a garota os ensinamentos da mãe. O filme enfoca o drama paralelo dos moradores da Aldeia Rosa, uma pequena favela onde vivem travestis, gays e outros habitantes marginalizados da cidade. Embora a história seja um pouco implausível, é sensível e bem intencionada, e emociona em alguns momentos. Há bons desempenhos, principalmente da atriz mirim que faz a pequena Júlia, e de Camila Sosa Villada, que faz a travesti Ale. Camila Sosa Villada é uma travesti originalmente de Córdoba que começa a fazer carreira no cinema argentino.

Ainda conseguimos retornar ao hotel em tempo de assistir na TV ao programa da peruíssima Susana Gimenez, que está com os cabelos lisos e platinados e usando um vestido preto mais justo que Deus. Susana Gimenez faz a nossa Susana Vieira parecer uma madre Teresa de Calcutá de tão recatada, tem uma risada de serrote, e é um monumento argentino mais tradicional que o Obelisco. Algumas más línguas dizem que ela estava presente na inauguração do Café Tortoni.

La gente


Mesmo nesta cidade cheia de monumentos o que mais me chama a atenção são as pessoas. Sou capaz de ficar horas num banco de praça observando a fauna que habita esta cidade. Desde os namorados que se pegam em público sem o menor constrangimento até os policiais.


sábado, 12 de novembro de 2011

Espelho, espelho meu...


Hoje parti para um dos meus safáris fotográficos que tanto adoro. Quando olho pela lente da máquina fotográfica enxergo o mundo de outra maneira. A missão de hoje foi ver Buenos Aires através dos vários espelhos com os quais a cidade se cobriu para refletir a própria beleza. As imagens retorcidas refletidas pelos espelhos revelam uma nova cidade, invertida, esperando para ser explorada.





As outras fotos podem ser vistas aqui.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O ex

Ontem assistimos a La Piel Que Habito, do Almodóvar, mas sobre o filme eu falo em outra oportunidade. Morri de rir foi com este comercial do Banco Galicia que foi exibido antes do filme. Na véspera também tínhamos encontrado com o "ex".

De volta para o passado

Em contraste com toda a beleza arquitetônica que prevalece em Buenos Aires, o prédio da Biblioteca Nacional é uma das coisas mais horrendas que já vi na vida. Feio, pesado, esquisito, todinho feito de concreto. Dá a impressão que alguém descartou ali este bloco suspenso por quatro pernas e se esqueceu dele.

Nunca tinha visitado o prédio antes e aproveitei ontem para descobrir o quê aquele bloco hediondo esconde por dentro. Tive uma grande surpresa. Tudo em Buenos Aires me dá a impressão que o tempo parou, mas é normalmente um sentimento nostálgico e bom, quase reconfortante. A Biblioteca Nacional me deu a impressão que o tempo parou, mas em um tempo ruim.

O funcionamento da Biblioteca parece estar parado nos tempos das mentes atrasadas do militarismo, marcado pela síndrome do pequeno poder. Na recepção há quatro atendentes; um checando mensagens no celular, outro fingindo que está escrevendo alguma coisa, o terceiro desviando o olhar e tentando passar despercebido, e um quarto que solicita que os visitantes preencham uma "ficha". A ficha é tão longa que ele mesmo a pega de volta antes de preenchida e encerra com um "está bien, está bien" meio impaciente.

Quando o atendente me viu com a máquina fotográfica informou que para tirar fotografias no interior da Biblioteca eu precisaria ir ao primeiro andar e preencher uma solicitação por escrito. Foi a primeira vez que ouvi algo assim, especialmente nesta cidade que é tão camera friendly. Achei melhor desistir de fotos no interior da Biblioteca.

O lado de dentro é tão feio quanto o lado de fora, além de ser mal preservado, com cadeiras quebradas e almofadas encardidas, tudo guardado por atendentes sonolentos. Talvez a única coisa boa foi ver as enormes salas de leitura lotadas de adolescentes em absolutíssimo silêncio. Derrubar um alfinete ali no meio daquela multidão teria o mesmo efeito de uma bomba.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O dia em que me queiras

Depois de um vôo turbulento e lotadíssimo, chegamos ontem a Buenos Aires pouco depois do meio-dia para a nossa escapada portenha anual. Já instalados, saímos para respirar um pouco do ar abafado e quente da cidade e eis que... me encontro com alguém que não via há quase dez anos: meu primeiro marido. Ele é brasileiro, mas mora na Suíça há vários anos. Está aqui em Buenos Aires a negócios.

Saímos os três para jantar mais à noite. Vários assuntos para atualizar. Cheguei no hotel com a cabeça girando e tentando entender estas coisas inexplicáveis que acontecem com a gente. Em inglês tem uma palavra bacana para isto: serendipity. Aqui na Argentina acho que chamariam de tango mesmo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tempo, tempo, tempo, tempo... Entro num acordo contigo


A gente se lembra que o tempo passou quando depara com esta foto do garotão Jonathan Lipnicki aí em cima. E ainda se lembrava dele como o garotinho do filme Jerry Maguire aí embaixo.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

As cacatuas do shopping

Acho legal que os garotos de hoje tenham ídolos de sua idade e se inspirem neles. Agora que o franjão Justin Bieber cansou, parece que a última moda é o moicano do Neymar.

Primeiro, acho bacana que tenha acabado o preconceito de que homem não pode ter um cabelo "trabalhado". Há algum tempo atrás, com a honrosa exceção dos velhinhos vaidosos de cabelos tingidos de acaju, homem que pintasse o cabelo era veado. Agora não. Muito legal isto.

Segundo, também acho muito bacana que a juventude se inspire em um cara humilde como o Neymar, que tem um dom extraordinário e consegue ganhar dinheiro com o próprio trabalho. Começou a ficar indisciplinado e levou alguns puxões de orelha e entrou na linha, engravidou uma garota e assumiu o filho, tem um pai atuante que o mantém nos trilhos. Acho ele horroroso de feio, mas ninguém está nem aí para isto.

Tudo isto passou pela minha cabeça ao caminhar pelo shopping no sábado passado. Havia hordas de garotos com corte moicano para todo lado que se olhasse. Pareciam bandos de cacatuas.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Seal - Soul 2

Há exatos três anos nesta mesma semana de novembro Seal lançava o disco Soul - uma coletânea de clássicos da música soul americana. Ainda curto o disco como se tivesse sido lançado ontem. O disco veio na semana do meu aniversário e eu o considerei meu melhor presente.

Agora tudo se repete com Soul 2, o segundo volume de clássicos do soul dos anos 70 e começo dos 80 na voz rouca inconfundível de Seal. E com uma seleção ainda melhor, se é que é possível. Basta ouvir o falsete afinadíssimo de Seal abrindo o disco com Wishing On A Star que a gente percebe que vai precisar se sentar porque não vai dar pra parar de ouvir tão cedo. A seleção de sucessos segue com Love T.K.O., que foi sucesso na voz de Teddy Pendergrass e teve outras dezenas de regravações bem sucedidas ao longo dos anos. Love Don't Live Here Anymore - originalmente de 1978 e que já foi gravada até por Madonna, Let's Stay Together - lançada em 1972 por Al Green e imortalizada por Tina Turner quase dez anos depois, What's Going On - de Marvin Gaye, Oh Girl, I'll Be Around, e Back Stabbers estão entre as onze faixas do disco que certamente fará tanto ou melhor sucesso que o primeiro volume.

As gravações não são ao vivo como a capa pode sugerir, mas são de altíssima qualidade em estúdio. Soul 2 será lançado no mercado europeu no próximo dia 21 e nos Estados Unidos, estranhamente, apenas no final de janeiro de 2012 - mas já vazou por toda a internet e já está fazendo a alegria de muita gente.

Pela segunda vez Seal me dá o melhor presente em meu aniversário, que é na próxima sexta-feira. Um disco que é para deixar de quatro, um T.K.O. (total knock-out) como a própria música diz!

Seal - Wishing On A Star: 


Seal - Love T.K.O.:

domingo, 6 de novembro de 2011

Batendo o ponto

A Folha de S. Paulo de hoje traz reportagem sobre a contratação de homossexuais no mercado de trabalho tradicional. Embora existam empresas modernas e com políticas de recursos humanos bastante avançadas, ainda existem outras muito presas a convenções antigas onde funcionários gays não se sentem à vontade para se abrir sobre sua condição. Estas empresas acabam criando aquelas situações que todos conhecemos das "namoradas fantasmas" (que ninguém nunca viu) e da melhor amiga que aceita passar por namorada na festinha de final de ano da firma. Quem já trabalhou na indústria fora do eixo mais moderno Rio-São Paulo conhece estas histórias muitíssimo bem.

Felizmente a coisa está mudando rapidamente. Eu mesmo já fiz uma tradução de documento interno de política de relocação da Philips que mencionava claramente a expressão "cônjuge do mesmo sexo" nos casos de expatriação ou repatriação de executivos, dando-lhes os mesmos direitos dos cônjuges de sexos opostos. A reportagem da Folha também descreve um caso de funcionário da Procter & Gamble que conseguiu uma relocação para Nova York depois que a transferência do namorado foi confirmada. Algumas empresas já implementam programas de apoio à diversidade para promover a integração.

Nos dias de hoje, 88% dos profissionais de RH das empresas já admitem que não há restrições quanto à orientação sexual do funcionário e apenas 2% afirmam haver ressalvas quanto à orientação sexual. Conforme a reportagem, "Para saber se uma pessoa é gay em uma entrevista de emprego, não será perguntado se ela é homossexual ou heterossexual, mas sim se é casada e tem filhos" segundo Klecius Borges, psicoterapeuta especializado no atendimento a gays, lésbicas e bissexuais e a seus familiares. Mais alguns anos e as namoradas fantasmas poderão ser aposentadas.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

I'm not gay, I'm just British

Não sei a origem da frase do título, mas lembro-me de tê-la visto usada em uma entrevista do Jonathan Harris, o dr. Smith do seriado Perdidos no Espaço. Jonathan Harris era americano mas conseguiu se livrar de seu sotaque de pobre do Bronx e ficou famoso por carregar uma certa afetação no falar e nos movimentos, coisa mais típica da alta burguesia britânica que deixava o homem mais efeminado.

A frase me voltou à mente ao ler a notícia de mais um ataque homofóbico na região da Avenida Paulista. A vítima desta vez é um artista plástico francês que pode ter sido confundido com homossexual. Da mesma forma que há alguns meses um pai e filho abraçados também foram confundidos com homossexuais e atacados em uma cidade do interior.

Eu não ficaria surpreso se a prefeitura e a polícia começarem a aconselhar todo gay a usar coturno, cabelos cafonas, camisa xadrez de lenhador, e que cocem mais o saco e evitem desmunhecar em público. É mais fácil do que resolver o problema, da mesma forma que o Diogo Picci, depois de um assalto esta semana, foi aconselhado pelo delegado a se mudar do Morumbi porque "o bairro está ficando muito violento".

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Minha alma é movida pelas ausências...

Fiquei tristinho na última terça-feira ao ler a despedida do dr. Rubem Alves da Folha de S. Paulo. Nas edições das terças-feiras eram as crônicas dele que eu sempre lia em primeiro lugar antes de encarar as notícias do mundo cruel lá de fora.

O dr. Rubem Alves é mineiro de Nova Esperança, mestre em Teologia, doutor em Filosofia, além de psicanalista. Foi pastor presbiteriano. Enfrentou um problema de saúde na família que o levou a um questionamento da própria fé, e hoje é ateu e crítico ferrenho das religiões organizadas. Adora cozinhar e muitas vezes escreve também sobre culinária (ele até tem um restaurante).

Acostumei-me tanto às suas crônicas semanais que sinto-me à vontade para chamá-lo pelo primeiro nome. Rubem tomou a iniciativa de encerrar sua coluna na Folha e justifica sua despedida com "O tempo nos jornais é o hoje, as presenças. Minha alma é movida pelas ausências; mas, nos jornais, não há lugares para ressurreições". Alega cansaço aos 78 anos, e se sente importunado com a obrigação de escrever toda semana mesmo quando não tem vontade. "Quero me livrar dos malditos deveres que me dão ordens", diz ele. Entendo perfeitamente os motivos, e acho que o descanso é mais do que bem merecido.

Entre as minhas crônicas favoritas do Rubem está uma crítica bem-humorada aos cristãos fundamentalistas que usam a Bíblia como desculpa para os seus ódios, publicada na Folha em 30 de setembro de 2008 sob o título "Homossexualidade e outros pecados..." Recomendo o texto para quem ainda não o conhece, e para facilitar o acesso tomei a liberdade de reproduzi-lo nos Comentários.

Os trabalhos do Rubem Alves continuam disponíveis através de seus livros e de seu site A Casa de Rubem Alves.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O palhaço


A gente nunca se esquece de tomar banho. Mas às vezes ficamos muito tempo sem lavar a alma por falta de oportunidade. E eu não falo aqui de "lavar a alma" naquele sentido de tirar desforra, mas no outro sentido da expressão - o de experimentar uma felicidade intensa que normalmente brota do inesperado. O Palhaço - filme escrito, dirigido e estrelado por Selton Mello - oferece uma destas oportunidades raras para se lavar a alma.

É um filme leve que surpreende nas menores coisas. A história do palhaço em crise de identidade é contada de forma quase poética, e há pequenos detalhes aqui e ali que dão graça às cenas - como a placa escrita à mão VENDE FRANGO-SE em um vilarejo do interior.

A história começa lenta como a vida das cidadezinhas empoeiradas por onde o decadente Circo Esperança passa. E vai ganhando a gente aos poucos pela fotografia linda que transforma cada cena em uma pequena obra de arte e pelo desenrolar da trama modesta que cativa pela humanidade dos personagens que são excêntricos sem parecerem irreais. Até Moacyr Franco está impecável em uma única cena como o delegado de uma cidadezinha em participação curta e marcante.

Quando o filme termina a gente está se sentindo mais leve, e rindo feito criança boba que acha graça em tudo.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Meça suas palavras

A Universidade Rutgers do estado americano de New Jersey fez recentemente uma pesquisa de opinião que obteve resultados surpreendentes: 52% da população aprovam o casamento gay, e 61% aprovam a igualdade no casamento. Não entendeu nada? Entendeu sim.

"Casamento gay" e "igualdade no casamento" são exatamente a mesma coisa dita de formas diferentes. O estudo veio comprovar a importância de usar as palavras certas ao lidar com o público. A expressão "igualdade no casamento" soa muito mais simpática e mais aceitável para muita gente. E a diferença é ainda muito mais evidente entre as pessoas sem nível superior, onde 66% apoiam a igualdade no casamento enquanto apenas 41% apoiam o casamento gay.

Palavras representam uma arma poderosa. Há pouco tempo, aqui no Brasil, as lideranças evangélicas conseguiram demonizar o kit anti-homofobia ao rebatizá-lo de "kit gay". E certamente continuarão com a mesma tática baixa para tentar brecar qualquer avanço da igualdade de direitos.

Deve-se brigar não por "direitos gays" (que soa como um privilégio de uma classe), mas por "igualdade de direitos" nesta causa que sempre foi uma questão de direitos humanos.