Meus pais têm 166 anos (83 cada) e, obviamente, nos preocupamos muito com eles. Quando ligo lá e ninguém responde, normalmente espero uns vinte minutos e ligo novamente e, se continuo sem resposta, começo a ligar para meus irmãos e um vai ligando para o outro numa espécie de teia até descobrirmos o que está acontecendo. Normalmente minha mãe estava no portão conversando com alguma vizinha e não ouviu o telefone enquanto meu pai tirava uma soneca. Mas, é claro, como somos dados a um melodrama, normalmente já imaginamos os dois caídos no chão estrebuchando sem conseguir se levantar.
Eles têm a mesma idade da Fernanda Montenegro - embora não tenham a mesma vivacidade, e também a mesma idade que tinha a Hebe Camargo. Talvez por isso eu tenha me identificado tanto com a entrevista da Fernanda publicada na Folha de hoje. Na entrevista ela conta esta mesma história da preocupação dos filhos, que a gente pensa que os pais não percebem ("Quando toca o telefone e não atendo logo, um telefona pro outro, que telefona pra produtora, que telefona pro secretário. E eu só estava no banho. Como amor de filho, isso me toca."). Ela fala também sobre a realização de estar na fase conclusiva da vida, e a dor de ver sua geração toda morrendo.
Mas o que mais me chamou a atenção foi sua posição tão precisa sobre a idealização que costumamos ter da infância. "Criança sofre muito. É todo um processo de civilização, de coerção e de enquadramento em cima delas. E isso é uma agressão violenta. Quando ouço alguém dizer que a infância foi a parte mais feliz de sua vida, olho com muita desconfiança. Deve ter sido tão terrível que nem se lembra." Li isto várias vezes e a ideia não me saiu da cabeça. Todos costumamos ter uma memória afetiva muito forte da infância, mas, principalmente para um indivíduo gay, o processo de tentativa de conformação na infância deixa marcas profundas para toda a vida.
5 comentários:
Meu pai morreu aos 68 e com minha mãe de 95, hoje teriam 163. E Luciano, Fernanda é especial. Uma mulher lúcida e de bom senso.
Aqui temos a mesma preocupação, com a ressalva de que, quem espalha o "terror" sou eu...rsrsr. Sou companhia de minha mãe e se ela não parece bem.... me segurem, chamo Deus e o mundo.
Quanto a infância... apesar das surras de correia(rsr), a minha foi tranquila. Brincadeiras na rua, muitos amigos e cuidados. Já depois dos 18 até os 40/44, foi difícil. Mas estou recomeçando... nunca é tarde né?
Voltei hoje... colocarei a leitura em dia.
Beijos..também senti sua falta.
Pura verdade as palavras da Fernanda Montenegro. Nunca acreditei que a infância possa ter sido a parte mais feliz da vida de alguém. Também acredito ser falta de memória.
Plenamente de acordo.
A infância é doce porque éramos todos ingênuos e o que sentíamos era puro e sem temor de ser exposto. Dizer que gosta/ama alguém pode soar como um pedido de casamento, ou atestado de carência. Sabe, são esses pequenos gestos que sentimentos falta, pelo menos, é disso que eu sinto falta e que é ridúculo demonstrar na vida adulta.
Como ser feliz na fase em que maioria de nós é o patinho feio? Sábia Fernanda... Infancia me traz saudosismo não propriamente saudade.
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