quarta-feira, 4 de agosto de 2010

De repente, California!

Juiz Vaughn Walker
Tramitava na justiça desde abril do ano passado o processo iniciado por dois casais gays que questionavam a constitucionalidade da Proposição 8, a medida aprovada na California em 2008 que acrescentou à Constituição do estado um texto estabelecendo que apenas seriam válidos os casamentos entre um homem e uma mulher. A campanha pela aprovação da famigerada Proposição 8 foi uma batalha bancada ($$) principalmente pela igreja dos mórmons aliada a várias denominações evangélicas e católicas, e envolveu vários milhões de dólares. A campanha teve golpes baixíssimos com propagandas que associavam os gays à pedofilia e outros crimes sexuais, à disseminação de doenças, à degeneração da sociedade, ao culto do demônio.

Pelo pouco que vazou das várias audiências havidas durante o longo julgamento (que foi fechado e não televisionado) já dava para antever que os argumentos dos defensores desta medida horrenda não se sustentariam. Com milhões de dólares eles conseguem promover campanhas elaboradas e enganativas que seduzem o grande eleitorado - na sua maioria formado por pessoas muito religiosas, crédulas e preconceituosas. Mas estes argumentos pífios não se sustentam em uma corte que baseia suas decisões em fatos legais, médicos e científicos.

Hoje, dia 4 de agosto de 2010, o juiz federal Vaughn Walker pronunciou a decisão final, considerando a Proposição 8 inconstitucional e trazendo-a a baixo com uma marretada certeira. A decisão é um documento de 138 páginas que deveria ser leitura obrigatória. É um verdadeiro tratado sobre a conquista de direitos civis do ponto de vista do casamento, começando com os escravos (que eram impedidos de casar porque não eram donos de si mesmos), passando pela proibição dos casamentos inter-raciais (que só foi abolida a nível oficial nos Estados Unidos em 1967), pela evolução dos papeis dos cônjuges no casamento, e chegando aos casamentos entre cônjuges do mesmo sexo. O documento pode ser baixado aqui. Merece ser emoldurado e colocado na parede.

Para colocar um molho apimentado na história, dizem que o Juiz Walker é gay, o que todas as evidências apontam como verdade. Mas o melhor de tudo é que este detalhe não faz a menor diferença - a decisão é muito bem embasada em fatos, e se firma sobre 4 pilares:
1. O processo é sobre casamento civil. Crenças religiosas não podem ser consideradas neste caso.
2. Casamento é um compromisso, não uma associação para fins de reprodução.
3. Para o estado, um casal gay é exatamento igual a um casal hétero.
4. O registro de união estável não concede o mesmo status que o casamento.

É claro que eles não vão deixar barato, e vários recursos já foram impetrados hoje mesmo pelo lado que não consegue aceitar que está perdendo a guerra. E é justamente aí que eu acho que a jiripoca vai piar, e a nosso favor. A briga jurídica vai começar a subir de nível e eventualmente vai precisar ser decidida pela Suprema Corte federal. Talvez hoje a Suprema Corte não seja exatamente favorável, mas o assunto está evoluindo muito rapidamente, mais um ou dois anos e nenhum juiz vai ter coragem de se opor a uma mudança em prol de direitos civis que a sociedade está assimilando tão depressa.

As decisões da Suprema Corte federal gozam de um efeito jurídico chamado de binding effect que equivale mais ou menos à nossa súmula vinculante. Depois de decidido, todas as cortes inferiores ficam automaticamente vinculadas à decisão e o assunto é considerado resolvido - e passa a valer em todo o território nacional dos Estados Unidos, para todos os estados! E é aí que os religiosos de plantão vão se ferrar. Ao fazerem o processo chegar na Suprema Corte federal nos próximos anos, eles estarão legalizando o casamento gay em todo o país, a nível nacional, e com validade federal. Que venha!

Um comentário:

TONY GOES disse...

Eu estou feliz, mas não abrindo champagne como no caso da Argentina. Acho que vencemos uma boa batalha, mas a guerra ainda está longe de terminar. Embora eu saiba que nossa vitória é inevitável!