terça-feira, 26 de outubro de 2010

Estado de ódio

Alguém já ouviu alguma história de algum adolescente que tenha se matado por ser loiro? Ou por ter olhos azuis? Ou por ter o pé muito grande? Provavelmente não.

A onda de suicídios de jovens gays americanos está começando a gerar alguns bons frutos, apesar do alto preço. Houve um aumento enorme do debate e as pessoas estão começando a chegar a conclusões que podem  se reverter em mudanças positivas concretas, e que nos levam a entender melhor a origem do problema. Eu vi hoje um debate mediado pela jornalista Joy Behar, que incluía Jim McGreevey (aquele que era governador de New Jersey, casado, com filhos, mas se assumiu à força depois que descobriram  seu caso com um consultor para assuntos de defesa e acabou renunciando) e Dan Savage, o idealizador do fabuloso projeto It Gets Better. Neste debate eu ouvi duas expressões que resumem tudo que eu sempre pensei a respeito da situação dos gays na sociedade: cultura do ódio e estado de ódio.

Para entender melhor, é preciso recorrer a dois conceitos muito conhecidos no Direito. Estado de direito é o nome que se dá à condição em que as leis e as instituições são sólidas o suficiente para permitir as garantias e liberdades dos indivíduos - viver em um estado de direito é viver em uma sociedade onde as leis funcionam e o indivíduo se sente forte e protegido pelo estado, e não ameaçado por ele. O contrário é o estado de exceção, onde as garantias e liberdades individuais inexistem e o indivíduo é ameaçado pelo uso arbitrário da autoridade, como nas ditaduras tirânicas.

O que se começa a falar agora - e é uma visão que eu sempre tive - é no estado de ódio. Vivemos em uma condição em que o ódio pelos homossexuais é fomentado pela religião, pelo governo, pela sociedade, e pelas autoridades. Isso tudo forma uma teia complexa que precisa ser desmantelada, pedra por pedra, por meio de leis e políticas anti-homofóbicas severas. As religiões e o governo têm sido, na maior parte das vezes, os grandes incentivadores da homofobia. Estes dois setores são, sem nenhuma dúvida, os principais culpados pelas mortes dos jovens que não conseguem suportar o peso desta carga.

(A propósito, o Dan Savage é realmente fantástico e fala muito bem. Adorei quando a apresentadora menciona o clero e ele fala assim casualmente "eu sempre quis morar numa casa grande e poder usar saia e transar com homens - eu daria um excelente padre!").


2 comentários:

Fernando disse...

Acho que a questão do bullying nos EUA toma proporções bem sérias devido a questão cultural. Essa obsessão americana pela perfeição externa (carro utilitário, casinha branca com gramado na frente, família feliz e bem sucedida) ficou refletida durante décadas em toda a produção cultural deles, e gerou uma séria inabilidade em lidar com tudo o que foge desse modelo, principalmente dos adolescentes.

E o pior é que eles não tem noção disso. Quando morei na Alemanha, meu melhor amigo era um californiano de origem latina que veio com aquela história de "that is so gay!". Primeira vez ri, segunda vez falei que não gostei. Na terceira mandei a real de aquilo me ofendia e que ele teria que parar com aquilo. Depois conversamos, e segundo ele, eu disse coisas que ele realmente nunca tinha percebido - como era depreciativo aquilo.

Enfim... e pra terminar: Dan Savage só fica melhor com o tempo, hein?

[ joe ] disse...

Interessante. E adorei a resposta dele sobre o clero.

[j]