Eu fui uma criança tímida durante toda a infância. Extremamente tímida, a ponto de muitas vezes sofrer de complexo de inferioridade. Achava todo mundo sofisticado, bonito, desembaraçado e bem-articulado, e isto só me fazia retrair ainda mais. Em compensação, sempre fui excelente aluno. Em todo o primário, ginásio e colegial nunca tirei nota que não fosse 10. Recebia prêmios da escola no final do ano e era sempre citado como exemplo.
Acredito que muitas vezes minha timidez tenha sido creditada à minha suposta "genialidade". "Ele é muito inteligente, por isso é assim meio esquisito" eu ouvi mais de uma vez. Acho que ninguém nem desconfiava que de gênio eu não tinha nada. O que eu tinha, isto sim, e que me ajudava bastante, era uma memória realmente prodigiosa. Nunca precisei estudar para provas ou exames - ao ler as questões me lembrava perfeitamente das explicações dadas em sala de aula.
A minha posição de melhor aluno da turma e da escola sempre me trouxe respeito dos colegas. Atravessei todos os anos escolares sem qualquer problema de assédio ou intimidação, exceto um eventual "mariquinha! mariquinha!" na hora do recreio no curso primário. Mas isto não tinha uma conotação sexual muito pesada - era mesmo só uma palavra que as crianças da minha época usavam para ofender e machucar. Tinha muito mais o significado de "fracote" do que de "veado".
Só na adolescência percebi que era muito mais diferente dos garotos da minha turma do que eu imaginava a princípio. Criei subterfúgios para que minhas diferenças não fossem percebidas. Sofri sozinho, muitas vezes chorei sozinho.
Hoje, já homem feito e de barba quase branca, é que me dou conta que meus defeitos não eram aqueles que me assombraram na adolescência. Aquelas eram as minhas qualidades, as que me diferenciavam de todos os outros homens comuns, as que faziam de mim um homem especial. Não tenho mais aquela memória prodigiosa para me ajudar, mas também não preciso mais dela. Ainda choro às vezes, mas não mais por mim, e sim pelos outros. Hoje é a mediocridade do mundo que me entristece.
Meus pais nunca me censuraram e passaram toda a minha vida me dizendo como me amariam incondicionalmente de qualquer jeito que eu fosse, mas só muito recentemente eu consegui entender o quê eles estavam me dizendo. Ainda bem que eles ainda estão comigo, mesmo arcados pelo peso dos anos, e eu posso agradecê-los a cada dia por terem feito de mim o que eu sou. Por que eu tenho muito orgulho do que eu sou.
15 comentários:
Me vi nesse texto. Tipo, muito. A diferença é que as agressões verbais comigo foram um pouco mais pesadas, mas eu não deixava barato.
Mas ainda não consigo ver essa timidez toda como qualidade. Não mesmo...
Acho que não deve existir dor pior que ser discriminado pelos próprios pais.Não entendo isso, não dá pra entender. Cada dia eu agradeço por ter os pais que tenho. Como os seus, os meus tbm estão arcados pelo peso dos anos mas felizmente estão comigo.
Fiquei com uma inveja branca agora. Seu texto é lindo e bem escrito e ainda mostra que você teve mais sorte que a maioria de nós. Não tive pais compreensivos (ou melhor: pai compreensivo), meu bullying na escola não se restringiu ao "mariquinha" (aliás foi bem além da agressão verbal) e demorei mais para enxergar minhas qualidades porque passei muito tempo achando que tinha um defeito irremediável.
Ainda bem que hoje tudo é diferente e eu tenho a impressão forte de que o mundo caminha para frente.
Também me vi completamente refletido no seu texto, ser admirado e invejado pelas notas mas completamente sem traquejo social.
Meu bullying foi pesado, na época foi muito difícil, mas passou sem deixar marcas visíveis. E teve um efeito positivo, fez com que me refugiasse na leitura, o que abriu uma janela fantástica para o mundo.
O fato de ter uma família maravilhosa ajudou muito. E a certeza de que no futuro conseguiria sair daquela cidadezinha do interior de Minas e ganharia o mundo.
Seriam todos os gays do mundo condenados a morar em cidades grandes, para poder sobreviver?
História parecidas, lindo texto!!! =D
Compartilho algumas coisas do texto, mas o bully foi pesadíssimo durante todo período escolar e minhas notas nunca foram altas.
Ou seja...
Pois é...lí o texto e me emocionei, pois temos muito em comum.
Na escola rolou um clima de troca troca (sabe como é né...). E a garotada não perdoava...mariquinha e outras coisitas mais.
Hoje não tenho a felicidade de ter meus pais , já partiram há muito tempo, mas sempre recebi o apoio deles.
Bem, agora , com 5.2 e cabelos brancos desde os 3.0...é tocar a vida em frente e ter a sabedoria de valorizar as coisas realmente importantes.
Grande abraço@
Boas notas e muita facilidade para desenvolver um raciocínio. Eu era daqueles alunos que realmente aprendiam o que estava sendo ensinado, ainda que detestasse algumas matérias. No entanto, nunca fui tímido. Sério mesmo. Sou dos primeiros que se apresentam quando chego em algum lugar. Qual o seu nome? De onde você é? O que você faz? Com quem você mora? E cá estou eu fazendo contato. Quando eu era criança não era nada diferente. Costumavam rir do meu sarcasmo e do meu jeito mandão. 'Jota, você é um esnobe cômico' e de repente isto se tornava um elogio. Porém, quando o assunto era sexualidade... eu não era tão legal assim. Ok. O JP é legal pra conversar, mas cá entre nós... eu acho que ele é gay. Chorei muito. Se dô gargalhadas intensas, não seguro o choro. 'Mas se você tentasse ser um pouco mais homem, não acha que os seus colegas te respeitariam? O problema está com você' dissera uma professora da quarta série. 'Sua risada é muito aguda, parece risada de viado' falou a professora de geografia da sexta série. Um dia me cansei. Logo aprenderam que nunca poderiam entrar em um debate comigo, pois ainda que estivessem certos... eu venceria. Minha aceitação se firmou e a minha personalidade explodiu. E o baiano passou a rir, a brincar e a sentir orgulho de ser viado. Há dois meses me encontrei com a professora de geografia da sexta série. Apresentei meu namorado. Ex-namorado, desculpa. Ela gostou dele. Eu gostei da cara dela.
Achei bacana o texto, e como o João Pedro, também sempre tive muita facilidade para desenvolver um raciocínio e aprender o que realmente estava sendo ensinado, mesmo se ter empatia pela matéria. A única diferença é que eu não tenho a aceitação da minha mãe, e, pior que isso, acho que ainda estou longe de conquistá-la!
Parabéns pelo texto, Luciano!
Meio mundo gay vai se identificar com seu texto, até eu.
VEJA NAO TENHO A MENOR PENA DE VC, PQ VC TEM PAIS QUE TE AMARAM E TE RESPEITARAM INCODICIONALMENTE E QUANDO ISSO ACONTECE RUDO SE TORNA MENOR, UMA CRIANÇA QUE É AMADA LIDA MELHOR COM AS REJEIÇOES DA VIDA E TEM UMA AUTO ESTIMA MELHOR. COMPLICADO É QUANDO O PRECONCEITO COMEÇA DENTRO DE CASA, O SENTIMENTO DE INAQUAÇAO É TREMENDO.VEJA O CASO DOS NEGROS, ELES SOFRAM NA RUA, MAS QUANDO VOLTAM PARA CASA TEM UM SEMELHANTE COM QUEM SE IDENTIFICAM E A CRIANÇA GAY COMO FICA?SE VC HOJE TEM UMA CABEÇA BOA(CLARO QIE É MERITO SEU) MAS SEUS PAIS TEM UMA FUNÇAO FUNDAMENTAL NESSE PROCESSO.
Só faço confirmar os comentários anteriores. Acompanho seu blog há algum tempo e nunca tinha comentado aqui, mas esse texto realmente me marcou. Era como se essa história também tivesse sido minha, ou melhor, ainda seja minha, só mudou de escola para faculdade. Um grande abraço e desejos de que continue motivado a escrever.
Texto espetacular!
Sua escolha de palavras me tocou profundamente. Descobri seu blog recentemente e estou convencido que foi meu presente de começo de 2011.
Já vasculhei todo o seu arquivo e não me cansei de mergulhar entre suas opiniões tão belamente expressas nesse espaço.
Estou ganhando coragem pra começar o meu próprio blog...quem sabe um dia..
Grande abraço
Luiz Felipe
Seja bem-vindo, Luiz Felipe
Espero contar com sua companhia nesta nossa caminhada diária.
Abraço,
**
Eu fui tímido na infância, tinha um pouco de auto estima baixa. Mas fui superando isto ao crescer. Sofri um pouco de assédio no colegial mas foi só um ano e meio depois tudo mudou quando entrei para o seminário.
Sempre achava que um gay deveria sair para uma cidade grande, hoje estou convencido que não, moro numa cidadezinha de 3 mil habitantes. O que me faz ficar aqui? Minha família. Sinto amor e carinho dos meus velhinhos e da minha irmã. Me sentindo apoiado fui ficando. Também um pouco de solidão me ajudou a moldar minha personalidade em correr atrás das coisas, ser forte e inventar a vida. Ainda bem que tenho uma família que sempre pôs o amor incondicional pelos filhos como uma missão de vida!
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