domingo, 11 de setembro de 2011

A arte de não esquecer


O brasileiro médio não consegue entender a comoção que envolve o aniversário de dez anos dos ataques terroristas do 11 de setembro. Muitos acham mais chique ficar blasé e simular espanto com tanto abalo. Eu não sou particularmente fã da cultura estadunidense, mas se há algo que eu admiro muito neles é a habilidade para criar grandes eventos com o objetivo de engrandecer fatos e pessoas e fortalecer a nação. E não esquecer jamais.

O culto à memória é muito presente na sociedade americana e tem reflexo em todas as instituições do país. Os americanos celebram o Memorial Day, o Homecoming, o Veteran's Day, o Independence Day, o Thanksgiving, e todos os outros feriados de forma muito mais efusiva e significativa que qualquer celebração oficial no Brasil. Qualquer aluno de uma High School americana conhece detalhadamente todos os rituais e significados envolvidos nestas datas. O ensino médio americano se encerra com o baile de formatura (the Prom) que é um verdadeiro rito de passagem para qualquer adolescente. Todas estas celebrações têm impacto nas vidas dos americanos.

Os eventos que provocam grandes comoções têm até fases que são de difícil tradução para o português, como o reckoning (algo como interiorizar a dor) e o closure (fazer as pazes com o luto).

Em termos de premiação, então, ninguém supera os americanos, e o Oscar é só um exemplo. Nenhuma sociedade festeja o valor dos feitos de seus membros como a americana. Nenhuma outra sociedade cultua e registra tanto a própria memória.

Hoje, meus amigos americanos trocaram mensagens consternadas de apoio e confiança em um futuro melhor. Alguns colocaram bandeiras nas varandas das casas. Ninguém pretende deixar que o passado seja varrido para debaixo do tapete.

No Brasil a situação é muito diferente. Se alguém colocou uma bandeira na janela na última quarta-feira para celebrar a independência certamente foi taxado de idiota. Quase não se fala mais no mensalão, por exemplo, e pouca gente ainda deve lembrar do que se trata. Para quem não se lembra, foi uma tragédia que deve ter matado muito mais do que os ataques terroristas aos Estados Unidos. Porque a corrupção surrupia dinheiro público que deixa de construir hospitais, estradas, escolas - e indiretamente acaba matando muito mais gente. O estado do Maranhão está caindo de podre embora tenha sido o estado que mais verbas recebeu do Ministério do Turismo (mais que o próprio Rio de Janeiro, que vai sediar uma Olimpíada). Mas ninguém quer ficar lembrando destas coisas porque dá muito trabalho.

Muita gente está perdendo uma ótima oportunidade de aprender com os americanos. O brasileiro parece que está confundindo "ser blasé" com "ter preguiça mental". Ainda temos muito chão pela frente.


19 comentários:

Fernando Sobrinho disse...

Ótimo texto. É por esse e outros posts que o seu blog é um dos meus favoritos.

Unknown disse...

Os EUA são um país (ou um conjunto de estados) de extremos. Magníficos em 50% das coisas, péssimos nos outros 50%. E preservar a memória é importante sim. Apenas, infelizmente, não vejo que essa memória do 11/9 (ou de outras guerras) seja construtiva e lhes torne melhores (nos aspectos que lhes faltam sê-lo). No mais, é aniversário do Enrique. Celebremos!

DPNN disse...

Eu sou grande fã da cultura "estadunidense", pago pau pra eles mesmo, sem pejo, temos muito de aprender para chegar até lá, e acho que muita gente que adora "odiar" os EUA sofre de recalque.

Eu acho que o grande diferencial entre Brasil (ou América do Sul) e os EUA está na base religiosa da colonização. A gente tem uma base católica, que se apega ao sofrimento, à miséria (culto ao pobrismo, por exemplo) e eles tem suas raízes na ética protestante, que visa sempre a prosperidade. Isso tem suas consequências até mesmo na forma de constituição da memória de um povo.

Dalton Spider disse...

Muito bom o texto, foi um bom puxão de orelha, pois o povo brasileiro é assim mesmo tem memória curta!

O brasileiro só acha legal colocar bandeira na janela quando é tempo de Copa do mundo(cultura?)...

Papai Urso do Interior disse...

Yes! Certeiro como sempre, Luciano. O crime social da corrupção é o câncer que mata mais e mata muito porque não abate apenas um corpo isolado, mas comunidades de centenas, milhares de desgraçados abandonados à propria sorte, sem educação não sabem que são privados de seus direitos inalienáveis sendo puxados pelo focinho a cada nova eleição mediante migalhas que vão de dentaduras a tijolos, sem saúde não tem como reivindicar coisa alguma e sem emprego não terão dinheiro pra mudar o panorama que se encontram, enfim sem nada disso não podem mesmo ter memória e respeito pela pátria, quiçá acesso a cultura. Também acho grandiosa a forma como EUA convive com suas tragédias e como premia seus feitos nas artes, na literatura, na musica e no cinema. Temos um longo caminho a percorrer, mas será que algum dia voltaremos a ser patriotas, se é que algum dia fomos de verdade? Eu mesmo tive na escola a extinta disciplina de educação moral e cívica que resgatava a biografia de nossos herois, datas e simbolismos, não nos deixava esquecer datas como Tiradentes, Independencia e Proclamação da República. Hoje em dia continua feriado nacional mas jovens de 13 a 16 anos simplesmente não tem a menor noção do porquê, acho muito triste a realidade da educação no nosso país e não culpo jamais os professores porque sou um deles e sei que fazemos além do nosso alcance com os parcos recursos internos da escola, às vezes tenho vontade de sair correndo da sala de aula e não voltar lá nunca mais...

Tiago disse...

Já eu acho incrível essa capacidade dos americanos de transformar qualquer coisa, inclusive uma tragédia dessa proporção, numa forma de ganhar dinheiro. Não que eu ache errado por si só, veja bem, foi lá que o nosso sistema econômico atingiu seu ápice, e eles fazem isso muito bem, só não consigo entender muito como funciona essa lógica.

Anônimo disse...

Verdade, só mesmo "ser humano médio" para alinhavar tanto clichê e chegar a conclusão mais rasa, tola e lugar comum. Que bobagem!

railer disse...

muito bom seu texto, luciano. realmente a memória do brasileiro é curta e esse patriotismo que exibimos em época de copa do mundo deveria continuar sempre. uma pena que isso não acontece.

Uma Cara Comum disse...

Nesse quesito, Luciano, creio que o essa "virtude da memória" na verdade pode estar a um passo do ufanismo, o que é um perigo. Talvez a melhor inspiração não seja os americanos, mas os povos europeus que conseguem transformar essas tragédias (que a gente faz de tudo pra esquecer) em um marco do que eles não querem repetir na sua história. Neste caso, aprender com os erros pode ser mais construtivo e menos perigoso... Opinião pessoal, claro!

Abraços!!

Fernando disse...

Luciano, sinceramente, acho que você foi um pouco infeliz com o texto. Iniciou com um assunto, enveredou por outro e terminou com uma conclusão bem... questionável. O blog é seu, você tem direito de postar o que quiser mas... se o direito ao comentário está aberto, aqui vamos nós.

O que você iniciou como descrevendo "culto à memória... muito presente na sociedade americana" não tem nada de "essencialmente americano". Isso se chama nacionalismo, na mais essencial e pura das formas. Esse 'detalhamento dos rituais e cerimônias' é algo conscientemente construído para dar liga a um país onde a população era basicamente um misto de britânicos emigrados com imigrantes de outros países europeus, com muito pouco em comum. Mitos são criados ("O Mayflower, trazendo os pioneiros para o Novo Mundo", "A Expansão para o Oeste", "A Luta contra os Ingleses e a Opressão dos Estados do Sul"), rituais e tradições são criados para criar o sentimento de "somos parte de um grupo especial" e justificar um governo liderando esse grupo especial e decidindo por ele. E ao mesmo tempo, tudo o que não condiz com essa 'versão oficial' é devidamente esquecido. E talvez o mais importante dos processos pelos quais o Nacionalismo acontece é o processo de "lembrar vs. esquecer". Lembra-se o que pode servir para criar um sentimento de maior união entre um povo, esquece-se tudo o que é contraditório/incômodo e que possa questionar esse sentimento tão 'sublime'.

Com o 11 de Setembro, os americanos ganharam o maior dos símbolos que qualquer nação moderna pode ter: um símbolo dos que morreram/foram mortos por estrangeiros em seu próprio território. Em termos práticos, o que foi o 11 de Setembro? Um resultado da política externa desastrosa dos EUA pós-queda da União Soviética, uma falha nos sistemas de segurança aérea e uma tragédia para todos que tiveram a infelicidade de estarem naquele prédio, naquele dia. O que o WTC se tornou? Um 'símbolo da luta pela liberdade e democracia para o resto do mundo'. Justamente conceitos que a sociedade americana entende como representativos 'dela', que os diferenciam dos países europeus e do resto do mundo.

Com relação a nós, brasileiros, sinceramente acho o argumento de "temos uma memória curta" batido demais para ainda ser utilizado. É generalização demais ("as pessoas não lembram", "as pessoas não querem discutir"), não dá para funcionar assim em qualquer ciência social. Queremos discutir porque a sociedade brasileira é tão silenciosa perante os escândalos de corrupção? É toda uma outra discussão (que arriscaria ter base na ditadura, no fato de que durante décadas qualquer debate político era visto como subversão e traição à nação).

Agora, louvar o ufanismo norte-americano de pendurar bandeiras em frente a porta de casa? Aprender com isso? Não, obrigado. Existe uma diferença muito grande entre ter participação ativa na sociedade, lutar por melhorias e acreditar piamente que a sua nação é a predestinada e você é especial por 'ter nascido dentre determinada fronteira'. Nacionalismo pode ser uma benção e uma praga - a Alemanha é o exemplo de quão caro um país pode pagar se não souber dosar essa dose muito bem.

Beijos,
Fer

Daniel Cassus disse...

Fernando does have a point. Não vi nada de tão diferente na Europa em relação aos EUA no quesito "bandeirinhas penduradas em tudo que é varal". Nós é que não temos esse hábito, mas isso eu relaciono a um certo inconsciente coletivo de que nós não somos donos do Brasil. ainda temos a mentalidade dos portugueses que vieram para cá virar novos ricos com pau brasil ou o ciclo que o valha e depois voltar para terrinha. A gente só perdeu esse objetivo. Mas o despeito pelo público ficou.

tommie disse...

Pelo amor, por mais que a gente assista série americana na Sony ou via Torrent, a gente foi colônia de Portugal! Sabe aquele Rei que fugiu pra não virar comida de Napoleão? Esses parâmetros americanos são puramente hollywoodianos.

Crash!Boom!Bang! disse...

Adoro os tratados de sociologia internacional do Fernando dissecando tópico por tópico o porquê das torres terem caído lá e não aqui ao mesmo tempo em que joga luz numa discussão diametralmente oposta ao cerne do cosseno ser tangenciado ou não pela hipotenusa em contraponto ao trajeto da libélula neozelandesa... zzzzzzzzzzzzzzzzzz...

Fernando disse...

@Crash!Boom!Bang!: Own querido, ficou complicado? Desculpa. :(

Mas relaxa, tá? A Junior desse mês deve estar com uma matéria imperdível de como aumentar o seu potencial de pegabilidade no Grindr. Ponto-a-ponto. E a Veja está com umas resenhas ÓTIMAS de livros incríveis para ler. Ponto-a-ponto também.

Dimas disse...

Pois é...toda e imprensa mundial presente , falando de um único assunto...morte.

E as mortes de civís (mais de 100 mil no Afeganistão e Iraque) a imprensa "livre" não comenta mais?

Os americanos só colheram o que plantaram: violência e arrogância.

Até hoje acho que foi muito pouco por tudo que estragaram no mundo todo, que pena que não detonaram a Casa Branca (claro que com o presidente dentro).

Enquanto isso no Brasil...todos os canais só falavam da tragédia americana e como sempre deixaram de lado a fome que mata milhares de crianças africanas.

- Que racinha triste é a nossa , não é??

Anônimo disse...

Leio muito esse blog porque é leve, gostoso de ler. Parece que é feito com o coração. Se me permitem, gostaria de fazer algumas colocações a respeito de alguns comentários que vi aqui. Gostei do post do jeito que ele tá.Acho que a intenção do blogueiro não foi elaborar um tratado sociológico sobre o culto à memória entre americanos e brasileiros. Salvo engano, isso aqui ainda é um blog, o post não são as considerações finais de uma tese de doutorado, e nem comentarista é presidente de banca fazendo inteligentes e profundos comentário sobre o trabalho apresentado. Alguns deles, por sinal, podem até ser profundos em conteúdo técnico, mas são rasos em tolerância à forma como o outro se expressa.Vejo isso em muitos blogs. Outra coisa é que, jamais vi essas pessoas fazendo um comentário parabenizando o blogueiro por um post bacana - e olha que alguns são geniais. Parece que esperam o sujeito bobear para dar o bote. A ironia da história é que alguns críticos mais ácidos não conseguem fazer um blog tão bom, em forma e conteúdo (vide o número de acessos) quanto o Muque de Peão, por exemplo.Talvez porque o nível de precisão e perfeição que exigem do outro não consegue ser atingido nem por eles mesmos.

Anônimo disse...

Fernando, sai dessa vizinhança carola e provinciana que ela não te pertence. Qualquer pessoa que consegue ir além do 1 + 1 é acusada de "intelectualismo". Bichas tristes.

Crash!Boom!Bang! disse...

@Fernando:
@Anônimo:

Bichas tristes, qual é? Isso é DEMOCRACIA (olha que palavra linda!!!), desde criancinha deveríamos aprender que o mundo é habitado por pessoas que pensam diferente de nós e que isso não as faz alvos a serem tombados ou segmentos a serem perseguidos. Cada um é cada um e sente/vê/analisa de modo diverso, face it or die! Não gosto de algumas coisas no Brasil, não gosto de outra porção de coisas nos EUA e Europa, sobre ler toda uma biblioteca e usar mais de 300 verbetes do dicionário por dia eu tambem adoro, sobre ter opinião formada sobre quase tudo, ok, mas isso de divergir é melhor ainda, prova que estamos ativando neurônios ao invés de sepultá-los, prova que só pegar carona no que outro diz é easy way demais, o negócio é dar o play no que tem de ser dito e em seguida cambio final-desligo. Gosto do Muque/Luciano porque aqui não tem presunção de nenhuma espécie, não ter que provar nada pra ninguem é uma delícia, não ter de ser cool pra pagar de popular é melhor ainda. Um dia não muito distante, gente legal, despretensiosa e de bem com tudo e todos ainda vai dominar o mundo.

P.S.: Apesar de não gostar da Junior nem ser assíduo da Veja, elas tem seus publicos específicos, não merecem respeito, por acaso? Have a nice day cidadão do mundo que frequenta vizinhanças carolas e provincianas, sem essas vizinhanças a quem mais vc se pavonearia de toda sua erudição calculada?

P. Florindo disse...

O fato dos estadunidenses terem memória e valorizarem a própria história e cultura é algo admirável mesmo.

No entanto, acho que eles exageram demais no drama quando são ELES quem morrem em guerras e atentados no próprio território. Quantos soldados estadunidenses e civis iraquianos e afegãos morreram para alimentar a indústria de armas? Onde estavam as supostas armas de destruição em massa do Iraque? Por que a captura e a morte (controversa) do Bin Laden demorou tanto?

E isso sem falar das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Até onde eu saiba, os japoneses não fazem o rito da choradeira a cada ano e, se fazem, não é televisionada pra todo o mundo...