segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Confissões de ano novo

Eu nunca tive o momento mamãe-eu-sou-gay. Venho de uma família de grandes gestos e poucas palavras. Minha família sempre foi muito prática e a gente nunca perdeu muito tempo discutindo a relação. Eu e meus cinco irmãos crescemos com a certeza que estávamos todos unidos por um elo inquebrantável e incondicional, e que continuaríamos sendo amados independente do que fizéssemos ou confessássemos - e esta sempre foi a nossa base de convivência.

Eu tinha 24 anos quando levei meu primeiro "amigo" para conhecer minha família. Era um almoço de domingo e estávamos um pouco tensos.  Lá pelo meio da tarde, depois do almoço, quando todo mundo estava praticamente cochilando no meio do papo, foi meu pai quem disse para o meu "amigo": "aqui nós temos o hábito de tirar uma soneca depois do almoço nos finais de semana. Você já é de casa, então vamos todos descansar um pouco antes que alguém caia de sono". Eu e meu "amigo" ficamos no meu antigo quarto, que ainda estava vazio, em camas separadas obviamente, e algumas horas depois todos levantamos e fomos tomar café e comer bolo. Foi um dia memorável. Depois deste dia minha família passou a se referir a mim no plural: "vocês vão passar o Natal aqui?" ou "vocês vão viajar no fim de semana?", coisas sutis assim que demonstravam aprovação sem necessidade de discutir a situação. Este primeiro namoro durou cinco anos, e ele é amigo de minha família até hoje.

Acho que um momento solene do tipo mamãe-eu-sou-gay teria para a minha família o mesmo efeito de confessar "mamãe, eu gosto de goiabada!". Só que provavelmente seria constrangedor. Como eu disse antes, minha família não é muito boa com palavras. Eles provavelmente diriam algo como "OK, a gente já sabia, agora vamos mudar de assunto".

Meu irmão mais novo protagonizou outro exemplo ótimo de como funciona a dinâmica da minha família. Um dia meus pais chegaram em casa e tudo do quarto do meu irmão havia desaparecido: roupas, TV, sapatos, discos, tudo. Meus pais ligaram assustados para o celular dele e ele atendeu com a maior calma: "resolvi mudar para a casa da minha namorada". A partir daquele momento a namorada dele passou a status de esposa e ninguém falou mais nisso. Hoje eles têm um filhinho lindo de 4 anos de idade. Soube que há pouco tempo eles foram ao cartório e fizeram uma escritura de declaração de união estável, mas só porque a empresa dele exigiu para estender benefícios para os dependentes.

Meus pais agem com naturalidade em relação às nossas escolhas, e todos os seis irmãos nos respeitamos e apoiamos uns aos outros. Por isso eu fico extremamente chocado e triste quando leio histórias de falta de aceitação e apoio familiar. Como a que fiquei sabendo neste último final de semana, de um amigo que foi expulso de casa porque confessou que era gay. Tenho dificuldade para processar este tipo de violência.

15 comentários:

Lucas disse...

Queria que minha família fosse menos verbal. Ela é justamente o contrário da sua: gosta de discutir/racionalizar tudo.

Me cansa demais.

Cocada.g disse...

Caramba sua familia é mesmo muito legal. Em parte acho que é meio parecida com a minha. Tambem não somos muito de falar mas quando algum de nós esta passando por dificuldades a gente se apoia.
Engraçado que esse momento "mamãe, eu sou gay" é algo que quero fazer acho que devo isso a ela. ]
Realmente é triste um pai ou mãe expulsar o filho de casa por qualquer motivo.

abraços amigo!

Rodrigo disse...

Nossa, na minha família é assim também... e a historia do "amigo" foi idêntica.

Ouço tantas histórias pessadas, que achava que a minha família era de et's.

Bom saber um pouco mais da tua

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Bacana esta naturalidade ... cada um tem a sua história ... umas boas outras más ... mas enfim ... o q não podemos é abrir mão de nossas vidas de forma plena ... não importa o porque nem o por quem ...

bjux

;-)

AliKerouak disse...

Família mineira é assim, e na minha além de ser mineira também somos 6, 5 mulheres e um homem, e temos um elo inquebrantável.

Unknown disse...

Isto mesmo Paulo. O que não é possível é abrirmos mão de viver nossas vidas de forma plena. Ainda que o preço a ser pago seja alto, por vezes, altíssimo.

Eu sou um dos que sofri este tipo de violência de minha família e também não entendo, não compreendo a dificuldade em, ao menos, esforçar-se por entender o outro.

Uma Cara Comum disse...

Se todas as famílias fpossem assim seria mais fácil a vida... hehehehe... A minha é o oposto: muita conversa e pouca disponibilidade de aceitação do outro como ele é... Abração!

marta matui disse...

Minha família não aceita que eu não seja protestante imagina se eu fosse gay!!!! Hahaha. Você tem muita sorte. Uma família que aceita as diferenças, qualquer uma, é muito raro.

Anônimo disse...

Adorei esse seu post.
Simples, engraçado, sério, divertido e tão cheio de coisas legais para se pensar!!!
Guilherme

Dimas disse...

Pois é Luciano, minha familia joseense também é do mesmo estilo da tua familia mineira. Nunca precisei falar nada, e no atual relacionamento (13 anos) sempre perguntam e falam com carinho do atual companheiro.

Poucas palavras...

Lobo disse...

Eu já vivi algumas coisas bem chatas. Aqui é o contrário: a família é justamente com quem não posso contar.

Adoro ver relatos de famílias felizes e compreensivas. Mas olho para a minha e não consigo evitar pensar que existe esse esquema sádico de compensação cósmica, que para cada família ajustada alguma outra não o é.

Um beijo!

varzo disse...

tão interessante quanto sua postagem é ler os comentários. Mas a mundo muda e as coisas se transformam. Hoje pelo menos existe o conhecimento que os gays existem e isso faz para que o caminho da aceitação se torne mais fácil. Será que vamos caminhar como os negros e mulheres? Vale lembrar que apesar das conquistas, os negros e mulheres ainda sofrem... Vamos conseguir superar estas diferenças para poder finalmente soltar as amarras e evoluir mais rapidamente?

Gui disse...

Concordo com o Lobo.

Minha dificuldade é em aceitar como podem existir famílias tão bem estruturadas enquanto a minha é daquele jeito...

Don Diego De La Vega disse...

Vc tem muita sorte, mesmo. Eu precisei explicitamente falar do assunto aos 19 anos (hj tenho 34).

Conheço gente q tem mais de 40 anos na cara e sofre horrores pq a família finge q não sabe....

[ joe ] disse...

é triste, ne?

estou observando a cidade desde que cheguei a SP ontem, e em tão pouco tempo pude perceber como os gays são livres. se encontram com beijos e abraços no metrô, andam de mãos dadas pela calçada, coisas assim. quase não entendi como ainda ocorrem coisas como aquele episódio da lâmpada, e os outros seguintes. daí me toquei que a gente pode ter a sorte de viver em uma cidade mais tolerante (ou no seu caso descrito, nascer e uma família que nos aceite), mas basta 1 pessoa com intenções preconceituosas para causar uma tragédia, seja apanhar na rua, seja ser expulso de casa. Basta 1.

Parabens, voce deu sorte com sua família.

[j]